sexta-feira, 30 de maio de 2008

Conto 7

O pedaço de chumbo que esperava ansioso pela explosão do pó negro que o impulsionaria furioso para o seu destino estava sedento por dilacerar toda e qualquer carne que o seu alvo possuísse e usa-se como barreira para proteger-se da morte metálica que lhe era oferecida. O Alvo tremia e suas gotas de medo lhe escorriam pela face, brotando como um rio que tem sua nascente em glândulas humanas. Um desprezo tal pela vida passa na cabeça que comanda a firmeza da mão, a mesma mão que direciona o vil metal que causa desespero a qualquer um que se encontre do lado errado do cano gelado. O dedo hesita por um único segundo, o mesmo segundo que leva para sua mente se lembrar da histeria cínica da vida e seus viventes. O cérebro já cansado de tudo executa sua ordem elétrica ao dedo e este o obedece fielmente como um animal muito bem adestrado, feliz servo aquele que puxa o gatilho para seu dono ao invés de puxá-lo por ele, morrendo assim uma vitima e nascendo assim um covarde que será pra sempre seu mestre e senhor. O servo que puxa o gatilho para seu mestre e senhor, estará de vez eliminando o covarde para iniciar nas memórias-póstumas um outro tipo de covarde que os humanos costumam admirar mais do que o primeiro tipo, o servo eliminará também sua servidão para criar um novo mendigo imundo, pois não há mais mestre para servir então servirá o mundo como despojado e arrojado. Pois bem assim é com o dedo servidor e seu mestre supremo que lhe ordena todo e qualquer movimento. O chumbo quente penetra na têmpora e rasga os tecidos, afasta qualquer barreira imposta pelo mundo e pela biologia até chegar no alvo pré-determinado pelo mão que é mestre inferior do dedo e servo igual da grande massa que está no topo do universo de cada ser. O algoz sibila ao furar e quebrar a caixa craniana, uma das últimas barreiras a ser vencida. Transpassar a massa é seu objetivo final, o resto é uma explosão de liberdade, vai muito além do ideal de uma simples bala que já cumpriu o dever proposto pelo destino e pelo mundo. O Antigo alvo cai de joelhos, pois seu mestre falha em lhe comandar algo, está tão atônito pelo fim existencial de seu igual que a ordem para que seus servos se mantenham nos lugares determinados se evapora e some do tempo e espaço como se nunca houvesse existido. A mudança de alvos surpreende a qualquer um, mas nenhum ser anteriormente desprezado pelo atual inexistente vai entender essa alteração no rumo da história, pois o único que sabia dos “porquês” e “comos” se destruiu em um último suspiro de ordem levando consigo a razão sincera do último mandamento para seus servos que tanto lhe foram prestativos e fieis.

Heitor Godau - 30/05/2008