terça-feira, 31 de março de 2009

Citações

"Até de Deus se serviram para nos ludibriarem! Disfarçam-no com embustes e calúnias para nos assassinarem a alma!"
"A Mãe" - Máximo Gorki

"...Seu peito está explodindo de vida não vivida. O tique-taque de seu coração marca o tempo que se esvai."
"Quando Nietzsche Chorou" - Irvin D. Yalow

segunda-feira, 23 de março de 2009

Cemitério

As dores da sanidade mental
Evocam a paz infernal
Que descança neste defunto fresco!

O jazigo de mármore friu
Muito bem enterrado em solo macio
Esconde o trascedental e o grotesco!

Os gases que emanam da decomposição
Nos lembram da nossa composição
E nos volta à boca a ânsia e o asco!

A voz finalmente se cala
Sem saber exatamente pra que serve a fala
E o silêncio flutua sem um único rasgo!

Heitor Godau - 20/03/2009

terça-feira, 17 de março de 2009

Outra Nossa Realidade

O marinheiro que nunca viu o mar e generais enfiados em seus pijamas listrados. Travesseiros de penas de pedras em um ambiente mítico e sinistro onde a lava invade cada narina e cada fresta das rugas das velhas senhoras em novos prostibulos. Sexo incadecente e inocente com crianças e animais. Bichos repugnantes saindo pela boca de homens no senado. Cabeças cheias de nada que habitam nosso país. Todo sangue patriótico jorrando em guerras falsas causadas por motivos esquecidos por todos que dizem o nome, os comandantes inimigos assistem a tudo abraçados. Padres viciados em coisas e pessoas cujos nomes não podem ser ditos. Palavras esquisitas que ninguém nunca fala pelas bocas fincadas nas mãos. Um arroto sincero para juras de amor eterno. Qualuqer coisa de religião presencia a morte trágica de Ernesto Barret. A triste chuva que canta a melodia ao bater nas cordas de pular das crinças baleadas. Drogas no subúrbio escondidas nos anéis das novas madames. Dinheiro velho enriquecendo o bolso de amantes solitários. A lágrima negra que se mistura ao creme facial do palhaço ao se olhar no espelho. O riso perdido da platéia entorpecida pelos gases tóxicos da atmosfera fúnebre no enterro de Ernesto Barret. Os pelos azuis das feras que descansam em bosques europeus. Árvores mortas que abrigam borboletas decapitadas. Vermes frígidos que devoram a alama da terra por dentro e por fora. Senhores do Torpor que finalizam sonhos como ninguém mais pode fazer. Todo o universo de pensamentos iguais fazem do mundo um lugar como não existe na outra nossa realidade.

Heitor Godau – 10/12/2008

terça-feira, 10 de março de 2009

Conto 14 - O Último Servo de Deus

Eu fui o último servo de Deus. Não por que eu não queria mais servi-lo, apenas por não existir mais um deus a ser servido. Eu devo ter sido o milhonésimo “e não sei mais quantosésimo” sérvo de Deus. Trabalho fácil, apenas ajudava, recebia ordens, mandava construir um templo aqui, um altar de sacrificios ali. Como eu disse, trabalho fácil! Tinha meu lugar reservado aos pés de Deus, sempre protegido. Quando eu ficasse velho teria lugar e comida e cederia meu posto a outro mais jovem. Quando eu moresse Ele asseguraria minha paz eterna e todos os outros beneficios dados a quem trabalha para a God S/A. O que ninguém esperava, muito menos eu (afinal, com um trabalho fácil desses na mão, eu fazia de tudo para garantir a segurança do patrão) que até mesmo Deus era mortal, isso nos foi provado da forma mais incontestável. Ele tinha uma voz poderosa, mãos grandes e pés firmes, musculos capazes de sustentar o universo nos ombros (junto com todos nossos problemas e angustias), tinha olhos decididos e cabelos e baraba brancos. Só depois que ele morreu que eu parei pra pensar porque ele teria cabelos e baraba brancos. Afinal, se fosse só pra dar impressão de que ele era velho não precisava de tudo isso, a gente ja estava acostumado a pensar nele como um cara beeem velho, mesmo se ele tivesse cabelos e barba pretos. Acho que ele não tinha a aparência que tinha porque era Deus. Acho que ele tinha a aparência que tinha pra ser Deus. A única coisa que ele poderia ser com aquele jeitão era Deus.
Ainda tenho em minha memória como aconteceu, apesar de já terem se passados décadas...eu acho. É díficil dizer, depois que Ele morreu o tempo se tornou, por falta de expressão melhor, “atemporal”, e o espaço agora é mórfico e irregular. Mas eu estava contando de como aconteceu, apesar do suspense que estou fazendo não foi nada muito dramático (apenas dramático o suficiente para a morte de Deus). Adentrei em seus aposentos para levar alguns papeis que Ele tinha que assinar falando sobre uma nova lua no sistema de Antares e um novo começo de vida num planeta a alguns milhares de anos-luz daqui. Quando entrei levando os papeis o vi debruçado na escrivaninha, achei que tivesse adormecido, tinha acontecido algumas vezes nos últimos anos, mais vezes do que quando comecei o trabalho. Peguei uma manta para cobri-lo, não que Ele precisasse se aquecer (pensando agora, ele deveria precisar, uma vez sendo mortal Ele devia sentir friu também, enfim), coloquei por cima dele e notei que estava parado demais, quando Deus dormia de vez em quando ele roncava ou se mexia bastante. Dessa vez ele estava parado, com a cabeça debruçada na escrivaninha e o rosto manchado de tinta de caneta, os olhos abertos, mas muito calmos. A pele bem branca, o cabelo e a barba desarrumados e embaraçados, a boca fechada como se guardasse seu último segredo só pra si, não podendo revela-lo nem mesmo na hora de sua morte. Assim que vi seu rosto entendi o que não se passava mais pelo seu corpo, mas não fiquei triste, nem feliz, nem angustiado, nem preocupado. Era como se eu tivesse descoberto que um copo quebrou enquanto eu não olhava, fiquei apenas curioso pra saber como poderia ter acontecido e como se deu esse fato tão estranho. Por final das cotas, aqui estou, desempregado, esperando algum novo cara singular assumir a função de Deus (não tenho nem idéia se isso vai acontecer de verdade) e relatando como foi meu último dia de trabalho como o último servo de um deus morto!

Heitor Godau – 02/03/2009

segunda-feira, 2 de março de 2009

Sílabas de um Nome

Num raro distúrbio de clareza mental, descrevo uma biópsia n’alma e tal descrição faz a endorfina correr meu cérebro cumprindo quase que totalmente seu trabalho químico. Um estado depressiológico atinge meu figado que será avaliado, julgado e condenado pelo legista como necrose cirrótica. Meu cérebro em uma bandeja de inox, pronto pra ser servido aos melhores estudiosos canibais desta dimensão. Meus ossos estão prontos pra serem misturados com cal e pó de argamassa para rejuntar algum azulejo novo em uma velha vida. Meu coração, esse orgão tão destratado e rejeitado, esse não serve mais do que lavagem pra mendigos solitários. O sangue salvará vidas e os olhos verão a verdade, mas se perderão nas mentiras da boca, analisadas pelas orelhas. A genitália será jogada fora muito antes da decomposição, por fazer parte de tabus. Os vermes estomacais serão lavados e os rins roubados para assassinar um filho em uma operação mal-sucedida. Por fim, vivi a vida toda com um só nome para agora ter vários e não ser nenhum deles.

Heitor Godau – 27/02/2009