quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009

Conto 6

A TV mudou de canal mais uma vez depois de meu amigo ordená-la à isso pelo controle remoto. Ele já tinha passado por todos os telejornais e alguns desenhos. Ele já estava ciente da crise brasileira, da apartheid, da situação na América central e de todo resto sobre o qual esta história não é sobre. No final, ele desligou a TV e foi tomar um copo de refrigerante preto e rótulo vermelho cuja marca não posso citar por questões legais e de saúde. Enfim, ele tomou o tal refrigerante e sentiu uma súbita vontade de pensar na vida, no universo e no que tinha feito de seus 47 anos de vida. Conseguiu reprimir essa vontade muito bem. Foi exatamente nessa hora que eu liguei para ele para contar do falecimento do irmão da empregada de minha mãe, mas ele não atendeu ao telefone e mesmo que tivesse atendido não faria diferença, pois ele não conhecia o irmão da empregada da minha mãe, nem a empregada da minha mãe e nem minha mãe. Pra falar a verdade, nem eu conheço o irmão da empregada, mas estava tão entediado que liguei para meu amigo para contar a desventura inútil. Desculpem mudar o ruma dessa história, meu egoísmo me levou, mais uma vez, a falar da minha vida, Esqueçam isso. Voltemos ao meu amigo fictício que vive mais intensamente que eu. Ele não atendeu ao telefone, pois estava reparando em algo que não reparava a mais de uma semana: na porta da geladeira. E havia algo muito específico na porta da geladeira. Um pequeno bilhete escrito: “Te deixei pelo seu irmão!”. Foi nesse momento que ele se deu conta que havia mais de uma semana que ele não via sua esposa nem seu irmão. Deu de ombros e foi dormir. Na manhã seguinte, ele teria que acordar cedo para trabalhar.

Heitor Godau – 21/02/2008

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009

À Sombra do Azar!

O azar me persegue por cada esquina, cada beco escuro, não sei como escapar. Amuletos e mandingas nunca funcionam, já está impregnado em mim. Não sei mais o que fazer. Não posso me matar nem mudar de vida, o azar me persegue além do tempo e do espaço. Só posso recorrer à tinta e ao papel para obter alguns minutos de paz longe do azar agudo que me atravessa a sorte. Não falo com ninguém, meu azar é como uma peste, uma doença contagiosa. Vivo sozinho, faço o jogo do azar. Não posso viver com mais ninguém, não sei viver com mais ninguém, não quero viver com mais ninguém. Estou melhor sozinho, ninguém além de mim tem a estrutura mental para aguentar o que eu falo, faço e penso. Meu tempo acabou, tenho que voltar para o lado do azar, ele já me espera impaciente.

Heitor Godau - 08/09/2007