segunda-feira, 25 de agosto de 2008

No aniversário de dez anos, seu pai deu o único presente que estava a seu alcance financeiro: levou-a ao cinema. Para o pai isso era pouco, deixaria a filha feliz, mas ele preferiria dar um vestido bonito, ou quem sabe uma boneca de verdade ao invés das bonecas de tubos de papelão e panos costurados por ele mesmo que ela costumava brincar. Para a garotinha, era muito mais do que um presente, era a realização de um sonho que ela degustava por cinco anos. Algo que ela jamais esqueceria, algo infinitamente superior a um simples presente de anivesrário. O pai deixou-a comprar o ingresso, suspendeu-a pela barriga, envolvendo-a com suas mãos duras e grandes de trabalhador, ela ficou na altura da moça da bilheteria e pediu duas entradas para o musical. A moça sorriu (ela jamais esquecera desse sorriso) e entregou-lhe os ingressos. A menina andou segurando a mão do pai e andava com altivez e convicção, ela já havia percorrido aquele caminho milhares de vezes. Entregou os ingressos ao lanterninha e olhou nos olhos dele, ele também sorriu, falou frases amigáveis e acariciou sua cabeça (isso deixou a menina confusa, não era assim que ela imaginava o lanterninha quando fizesse sua vingança, mas adorou o sentimento). Todos sorriam para ela, era seu dia, seu aniversário e seu sonho. Assistiram o musical juntos, os dois sem despregar os olhos da tela, sem pipoca, sem refrigerante, sem balas ou chicletes, apenas ela, seu pai e as danças maravilhosas do casal principal. Pela primeira em dez anos de mundo, ela vira o filme inteiro, desde os nome dos atores, até o “The End”!

Heitor Godau – 13/08/2008

terça-feira, 19 de agosto de 2008

Entrava sempre às escondidas, era fácil graças a seu tamanho diminuto de criança de cinco anos. Se maravilhava com a tela iluminada, a música, os atores em preto-e-branco, as danças dos musicais, os sapateados na tela gigante do cinema! Antes de acabar o filme era sempre pega pelo lanterninha e posta pra fora. Mas no dia seguinte lá estava a menina de novo, para rever o mesmo filme quantas vezes pudesse. Nos dramas, lágrimas escorriam, nas comédias, ela ria baixinho com a mão na boca, na ação, ela sorria e se empolgava junto com o mocinho, nos filme de gangster, ela os xingava e praguejava em voz muda, apenas mexendo a pequenina boca e fazendo cara emburrada. Ah! Que mágico era aquilo pra ela, seu sonho era poder assistir um filme inteiro, entrando com glamour olhando pra cara do lanterninha e entregar-lhe o ingresso, sentar-se em uma cadeira vaga que esperaria por ela e assistir, sem preocupações de ser pega, toda mágia que havia naquela pequena sala do único cinema de seu bairro!

Heitor Godau – 13/08/2008

segunda-feira, 11 de agosto de 2008

Caro amigo,

Sei que há anos não nos vemos e tão pouco lhe escrevi
Mas ao comprar o leite, hoje, me lembrei de ti
E mal posso descrever a surpresa que senti
Ao recordar do dinheiro que me deves,
Pode pagar, por favor, pode pagar
Não quero nada teu, quero apenas o que é meu
Pode pagar, por favor, pode quitar
Essa divida que há anos já correu
Não venha com aquela que está mal de vida,
Pois já sei que tem casa, carro e até uma menina
Enquanto eu ainda estou nesse buraco sem ninguém
Rezando muito e economizando no amém
E não seria desagradável a meu ver
Se somares nessa conta um pouco mais, quem sabe cem
Não peço muito, apenas generosidade
E peço, meu amigo, não me deixes na saudade
Responda esta cartinha sem trapaça ou maldade
E antes de lacrar e enviar o envelope
Ponha dentro o dinheiro e a minha sorte
Termino esta carta sem vontade chorar
Pois sei que logo logo vou me recordar
Da tua caligrafia e do cheiro do meu dinheiro
Esperarei ansioso pela visita do carteiro!

Heitor Godau – 4/08/2008

segunda-feira, 4 de agosto de 2008

Sinceramente Falso


Quando ando na rua

As pessoas me apresentam seu sorriso pronto

E estendem a mão suada

Mas deixam em pose nua

Todo seu repugnante ser escroto

E a alma deformada



Ninguém nunca tem ciência

De qual sorriso está usando

Apenas vestem um e usam livremente

Sem saber da veemência

Que esse órgão malandro

Teria se usado sinceramente



Por isso convidamos que venha junto

Seja também um ilusionista

E brinque com nossos sentidos

Esqueça o espírito, esse pobre defunto

Traga seu sorriso de artista

Pintado com carvão de corações partidos



Heitor Godau – 18/03/2007