segunda-feira, 29 de setembro de 2008

Pranto Fúnebre

Sinto sangue cheiro forte corpo fúnebre. Funésta alma calma embala a meia-noite. Triste e tarde toque do relógio espanta corvo de corpo morto. O tilintar do cristal na hora de cova morta acorda do torpor o senhor eterno. O mal ao qual renasce a face. Do bem a quem reage ao rugido rude do além. Sei quem vem e vou também. Rapaz capaz de ver logo atrás, o mogno caixão no corrego de gente descente. Gente que chora um pranto manso escorre do canto do olho que olha o olho que o olha. Canta um conto que conta um mantra. Gente santa que encanta enquanto anda. Minha alma vaia e meu corpo aplaude. Assim termina a história da humanidade que caminha na multidão sozinha.

Heitor Godau – 03/01/2007

terça-feira, 23 de setembro de 2008

Hoje Não!

Hoje não tem História, nem Música e nem TV.
Hoje não tem Glória, nem pra Mim e nem pra Você.
Hoje não tem Festa, nem Comida e nem Canção.
Hoje não tem Reza, nem Amém e nem Oração.
Hoje não tem Luta, nem Vitória e nem Perder.
Hoje não tem Culpa, nem Memória e nem Prazer.
Hoje não tem Morte, nem Ferro e nem Riqueza.
Hoje não tem Sorte, nem Zero e nem Avareza.
Hoje não tem Pão, nem Vinho e nem Vinagre.
Hoje não tem Cão, nem Cruz e nem Milagre.
Hoje não tem Caderno, nem Tinta e nem Caneta.
Hoje não tem Afeto, nem no Homem e nem no Planeta.


Heitor Godau – 15/10/2007

terça-feira, 16 de setembro de 2008

Acordado!

Acordado! Olho-me no espelho e vejo isso, um rosto deformado e reformado pela mente, minha mente criada pela escola da ilusão, mente imaginária para um corpo virtual, virtualmente destruído. Olho-me no espelho, nos espelhos, pelos bares, banheiros. Meu olho que vê o olho que me vê. Mentiras, minha mente mente para o meu olho, meu olho olha meu rosto, não mais em espelhos. Desta vez meu rosto está em minhas mãos, um rosto de plástico. Um rosto para esconder meu rosto.
Acordado! Odeio sonhos, mais uma vez eu sonho que está tudo bem, que sou perfeito de novo. Mas é só um sonho, mais uma vez eu queria acordar morto. Cadê a música? Não devia estar tocando “Blues"? Mas não ouço "Blues", ouço apenas meus murmúrios e lamentos. Não ouço mais saxofones ou violões, apenas meu choro desafinado entra pelos meus ouvidos e vai atormentar minha mente de novo e de novo, toda noite, sempre segundos antes de eu dormir e segundos depois que eu me encontro...
Acordado!

Heitor Godau-9/07/2004

segunda-feira, 8 de setembro de 2008

Digestão Embriológica

Nascidos fetos redundantes,
De suas entranhas agonizantes.
Fetos feitos de sangue e mal,
Com iguais lembranças da massa visceral!

A parteira ao seu trabalho está de volta,
Tenta tirar o filho de dentro da mãe já morta.
E na agonia do ser ou não ser,
É feito o que se deve fazer!

Em sua mais fria ambição
É posto a infernal opção,
Do aborto mal ocorrido.

Em sua mais louca alucinação
Foi nascido como no fim da digestão,
Que agora não passa de embrião digerido!

Heitor Godau – 18/11/2003

segunda-feira, 1 de setembro de 2008

Seus olhos fitavam o velho cinema. A quanto tempo ela não olhava para ele?! Desde que seu pai morrera quando ela tinha treze anos, passou de família adotiva para família adotiva, não teve mais casa nem cinema, mudou de cidade, de vida, de paixões e de princípios. Mas agora, com vinte e cinco anos, em uma viagem de negócios foi parar na sua cidade natal, visitou seu bairro e olhava com carinho e saudade o cinema que a fizera sentir paixão quando era uma criança de cinco anos, que lhe proporcionara a melhor sensação de sua vida quando tinha dez anos e agora ela entrava como telespectadora pagante pela segunda vez, mas tudo era muito diferente. A mulher da bilheteria não era tão simpática quanto antes, ela caminhou pelo tapete até a catraca, mas faltava algo, o lanterninha apenas pegou o ingresso, destacou-o e nem a olhou no rosto. Ela assistiu ao musical e se pegou chorando. Era o mesmo cinema, o mesmo tapete, o mesmo cheiro de pipoca, a mesma cadeira...mas não havia mais seu pai, não havia suas mão grandes que a protegiam, não havia seus olhos que a acalmavam, seu sorriso que fazia ela crer que o mundo era apenas ela, ele e uma tela brilhante. A quinze anos atras esse fora o melhor momento entre todos que ela já teve ou terá um dia, mas quinze anos depois, ela sentia toda a tristeza, toda a saudade, toda a dor que ela aprisionara dentro dela desde os treze anos! E quando as luzes acenderam, ela continuou lá, chorando, quieta, até o lanterninha a expulsar do cinema para começar uma nova sessão.

Heitor Godau – 1/09/2008